Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 11 Set. 2024, Processo 8778/22.4T8ALM.L1-4
Incapacidade Temporária - Abandono do Trabalho - Despedimento Ilícito
Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar, sendo que se presume o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência. In casu, tendo por certa a ausência injustificada do trabalhador ao serviço, pelo menos pelo período de 10 dias seguidos, a mesma não é, por si só, suficiente para permitir ao empregador a invocação do abandono de trabalho. Na verdade, é também necessário que a ausência ocorra num contexto circunstancial que indicie a vontade do trabalhador de não voltar ao trabalho, isto é, de pôr termo ao contrato de trabalho. É que, quanto ao denominado animus extintivo, não basta a mera verificação da ausência do trabalhador, devendo ainda acrescer-lhe factos que, com toda a probabilidade, indiquem que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho. Equivalendo o abandono do trabalho à "denúncia do contrato", a vontade de o "denunciar", ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca. Ora, tendo o trabalhador sofrido um acidente de trabalho que lhe ocasionara incapacidade temporária parcial para o trabalho (sem alta definitiva), a entidade empregadora deveria ter procurado informação acerca da situação do sinistrado antes de ter concluído pelo abandono do trabalho. Perante o acervo factual provado e considerando, ainda, deter o autor antiguidade ao serviço da ré reportada ao ano de 2007 sem que deem nota os autos de qualquer vicissitude negativa ocorrida no decurso da relação laboral, não é de todo deduzível do seu comportamento qualquer intenção de não retomar o seu trabalho e, no fundo, assumir comportamento associado a uma denúncia do contrato de trabalho. Impor-se-ia também à ré, por apelo ao princípio da boa-fé, que, antes de lançar mão do instituto em presença, averiguasse o sucedido. É evidente que o princípio da boa-fé é recíproco no âmbito de relações jurídicas de natureza sinalagmática e que é verdade que o autor se demitiu, também, da sua obrigação de justificação da sua ausência mas, perante o seu comportamento e o contexto de saúde em presença, não poderia a ré concluir, como concluiu, que era intenção do autor não mais retomar o trabalho.
Relator: Francisca da Mata Mendes
Processo: 8778/22.4T8ALM.L1-4
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